Adriano Motta
Space Jihad
curadoria Guilherme Gutman
Rio de Janeiro | 01 Fevereiro — 11 Março 2017
Download release in .PDFAdriano Motta
Um estudo de antropologia aplicada a um projeto de educação popular para trabalhadores de minas de nióbio em Miranda (lua de Urano). Tese (Doutorado), 2017
óleo sobre telas, ímãs e chapa de metal
190 × 235 cm
Adriano Motta
Da multiculturalidade à educação interplanetária: a antropologia da educação na formação de telepatas, 2017
óleo sobre telas, ímãs e chapa de metal
235 × 190 cm
Adriano Motta
Diálogos, monólogos e rituais: a evolução civilizatória do povo Polaróide. Texto transmitido telepaticamente na reunião da ENPEQ, 2017
técnica mista
115 × 85 × 7 cm
Adriano Motta
Construindo um corpo teórico multidisciplinar e coerente a respeito da geopolítica venusiana algumas questões filosóficas, 2017
técnica mista
115 × 85 × 7 cm
Adriano Motta
Práticas catalogadas de tortura atribuídas a milícias paramilitares do território marciano a visão dos antropólogos, 2017
técnica mista
115 × 85 × 7 cm
Space Trema
Guilherme Gutman
“Um cão na escadaria do convento de freiras me espreitava sentado em posição ereta. Olhou-me sério e levantou uma das patas dianteiras quando cheguei perto. Casualmente seguia, uns metros à minha frente, o mesmo caminho, um outro homem, que rapidamente alcancei e perguntei logo se o cão se tinhaapresentado a ele. Um ‘não’ admirado do outro deu-me a certeza de que aqui eu tinha a ver com uma clara revelação”.
Kurt Schneider
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“À primeira vista”, se diria em um determinado jogo de linguagem, que é aquele no qual a expressão denota o desconcerto e o arrebatamento: “amor (ou horror) à primeira vista.
A primeira vez que vi um trabalho de Adriano Motta, fui desestabilizado pela sensação de ter sido antes visto pela tela e só depois, de tê-la visto. Na verdade, me pareceu que o cachorro retratado me olhava sério, ainda que sem levantar a pata.
Até aí, não saberia dar nome ao que eu mesmo experimentava, o que aproximava a minha experiência de uma outra, nomeada “trema”, essa estranheza radical que, com frequência, antecede a abertura de um delírio.
Ser olhado, vigiado, medido e avaliado, objeto de bons ou de maus planos por parte do cachorro, tornouse, então, uma experiência estranha e única.
Eu era alguém que experimentava, então, algo “fora dos sulcos”, etimologicamente, ao menos, eu delirava.
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Embora plenamente vinculado ao seu tempo, há algo renascentista no modo como Adriano Motta constrói o seu trabalho. Da vastidão de sua curiosidade e da amplitude de seus interesses, resulta uma obra sortida – pinturas, desenhos, objetos, pôsteres, livros, zines, vídeos e experimentações sonoras – que obtém organicidade pela marca de seu estilo.
No centro de seus trabalhos gravitam, também, os seus globos celestes que, fantásticos, escandem
passado, presente e futuro, alterando a nossa percepção do mundo e da vida de agora, atributo da boa
arte.
O globo pequeno – ainda que remeta à extensão de um planeta – é algo abordável, tal como um mapa ou
como peça de um gabinete de curiosidades oitocentista: coisas recolhidas em latitudes e longitudes
diversas e de um tempo passado.
O primeiro globo é um pequeno objeto que poderíamos conter em nossas mãos, mas ele é acima de tudo
fantasmático, sem ignorar as marcas do passado, toda a sua verdade, retorna assintótica do futuro para
derramar a sua nova rede de sentidos no presente, inventando mitos.
O grande globo, por sua vez, e muito ao contrário do pequeno, não é um objeto que possamos olhar com
mansidão ou manusear com altivez; somos observados e, em algum grau, submetidos por ele. Essa
submissão, nos torna seres diminutos, liliputianos percorrendo a sua superfície fantástica.
Somos enredados por suas corporações: seus exércitos, suas tribos, seus cardumes de clitóris, suas
revoadas de aviões e pelas matilhas de um novo bestiário, do qual também fazemos parte. Trata-se então
de – caça ou caçador – palmilhar o seu solo, combater como se combate na vida, viajar como viajamos em
sonhos, esperar a noite e o dia, despucelar o que há, comer e ser comido pelo “poeta forte”, duvidar e
ajoelhar-se diante da “divindade cão”.
Encontramos também aí, o fio do humor sofisticado com que Adriano cobre a superfície lunar: oficiais do
esquadrão anti-bombas com suas sacolas de compras, prisioneiros de Guantánamo patrocinados pela
Adidas, náufragos sui generis, corais vaginiformes, pornografia fantástica, santos de duas cabeças e uma
tropa de choque espancando um ganso.
Esta é a maior força do grande globo celeste; e também a sua maior singeleza.
Como não ser seduzido por ele, ou, contraface do encanto, esmagado por ele? Tal pode ser a experiência
de muitos visitantes ao circunda-lo no estreito corredor em que está colocado durante a exposição.
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