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Vijai Maia Patchineelam

Sala de Espera

Rio de Janeiro | 09 Novembro 2023 — 13 Janeiro 2024

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‘Codireção’ (A nova cozinha dos participantes na Academia Jan

‘Codireção’ (A nova cozinha dos participantes na Academia Jan

100 x 70 cm

Lançamento LP Plano B, Lapa

Lançamento LP Plano B, Lapa

100 x 70 cm

No dia 09 de novembro a Cavalo apresenta Sala de Espera, a segunda individual de Vijai Maia Patchineelam no espaço da galeria , em Botafogo. A exposição reunirá obras que representam um ciclo de dez anos de prática e pesquisa do artista. Durante essa década, Vijai buscou investigar o posicionamento de artistas dentro da divisão administrativa de Instituições de Arte e experimentar o potencial das atividades ali desenvolvidas. Em busca de mudanças estruturais, a pesquisa defendia a vinculação de artistas como parte integral, e remunerada, no funcionamento e planejamento de museus, fundações, espaços culturais, coleções, entre outros.

Em 2013, Vijai transformou seu ateliê individual em uma cozinha coletiva e informal a contragosto da diretoria da Jan van Eyck Academie, Países Baixos. A criação da cozinha informal teve como intenção criar um espaço de trocas entre artistas, curadores, designers além de orientadores e demais funcionários. No ano anterior, a Academia havia passado por uma renovação que retirara a cantina, que funcionava também de cozinha coletiva fora do horário comercial, e no seu lugar colocou um Restaurante Café aberto ao público. As negociações junto à diretoria para manter a cozinha informal aberta acabou por motivar Vijai a transformar essa experiência em um doutorado prático-teórico. Concluído ano passado, o doutorado resultou na publicação do livro The Artist Job Description, for the Employment of the Artist, as an Artist, Inside the Art Institution (2020).

Já no Brasil, a pesquisa de Vijai se desenvolveu através da colaboração com o Instituto Moreira Salles que resultou no fotolivro Samba Shiva: as fotografias de Sambasiva Rao Patchineelam (2017). O foto-livro apresenta as fotografias tiradas pelo geólogo Sambasiva, pai de Vijai, que retratou sua migração da Índia ao Brasil, via Europa, entre o final da década de 60 ao início da década de 80. Em paralelo a sua história de família, o trabalho editorial de Vijai junto ao IMS buscou uma reflexão sobre a relação entre artista e instituição através do questionamento de conceitos como de autoria e legitimação institucional. Reflexão que culminou em discussões produtivas em relação a aspectos contratuais e autoria artística compartilhadas.

Para a exposição Sala de Espera, Vijai apresenta pela primeira vez no Brasil, a colaboração com o artista Fernando Torres fundador do espaço independente de arte-sonora Plano B, Lapa . Entre 2004 e 2013, o Plano B, gerido por Fernando Torres e Fátima Lopes, teve um papel importante de fomentar a cena experimental de som local e de alcance internacional. A colaboração entre Fernando e Vijai resultou no LP duplo Plano B, Lapa (2019) que ainda não foi lançado no Brasil devido a adiamentos causados pela pandemia.

Sala de Espera faz a chamada para o lançamento do LP duplo Plano B, Lapa. Evento paralelo à exposição que ocorrerá no dia 18 de novembro de 2023, no espaço Tropigalpão, na Glória. Mais informações sobre o evento serão anunciadas em breve.

 

Agradecimentos: Adrijana Gvozdenović, Beatriz Lemos, Denise Milfont, Elvis Almeida, Fabien Silvestre Suzor, Felix Rapp, Fernando Torres, Filipe Lippe e Sofia Caesar.

 

Trecho em português do posfácio do livro `The Artist Job Description, for the Employment of the Artist, as an Artist, Inside the Art Institution` (2020)

[…]
Na metade do primeiro ano da pandemia do COVID-19, enquanto eu colocava o assunto em dia numa conversa por telefone com meu amigo, o artista Stefano Faoro, nós inevitavelmente nos enveredamos pelas lembranças da época em que participamos juntos da Jan van Eyck Academie (Maastricht). A conversa correu do modo como essas conversas tendem a correr. Nada fora do comum. Na reta final de nossa conversa, enquanto trocávamos histórias sobre as expectativas frustradas daqueles dias, nós tentamos calcular quantos anos nós dois somados tínhamos em participações em diferentes residências e programas de pós-graduação. Stefano levantou a questão de o que é que tínhamos ganhado com isso tudo, considerando que havíamos passado a maior parte do período que foi
dos nossos vinte-e-tantos aos nossos trinta-e-poucos anos de idade em várias instituições de arte diferentes, quase sempre em países do norte da Europa. Naquele momento, nós nos encontrávamos sem muito o que mostrar como resultado daquilo em termos econômicos, assim como em termos de frutos das várias promessas de oportunidades vindouras, mas que parecem nunca de fato se materializar, bem conhecidas de quem integra por um tempo as instituições de arte tidas por vários como de prestígio. Tudo aquilo que estava sendo dito era sublinhado por nossa apreensão devido às incertezas quanto ao futuro imediato que nós experimentávamos então e que ainda experimentamos — em relação à pandemia, à realidade da crise climática e à iminente instabilidade política que viria como consequência de ambas.

Os anos de experiência em instituições de arte, começando pelo esforço aplicado no processo de ser aceito para poder desenvolver a própria prática, depois na experiência de passar pelas instituições e, enquanto se passava por elas, nas várias formas com que se aprende a estar ali nelas — esse esforço todo informou o desenvolvimento da minha prática como artista, para o bem e para o mal. Fazer essa publicação tem sido uma tentativa de desenterrar e encarar, em vez de evitar, as tensões que são parte do que define a relação entre artistas e instituições, especialmente numa época em que a maioria das próprias instituições de artes europeias estão sob a pressão das políticas de austeridade. Nesta publicação, documentei as diferentes etapas de elaboração da minha tese de doutorado, ‘A
Descrição do Trabalho de Artista: Uma Pesquisa Artística Guiada pela Prática Visando o Emprego do Artista, como Artista, Dentro da Instituição de Arte’, ao mesmo tempo em que exponho momentos vitais de aprendizado que, como consequência, levaram à transformação de minha prática artística. Uma prática institucional que é devedora do pensamento artístico e, subsequentemente, busca maneiras não-administrativas de se organizar no interior das estruturas administrativas, visando se tornar uma especulação sobre a plasticidade das estruturas institucionais e seu potencial para a colaboração criativa entre
artistas e instituições.

Para mapear tanto o desenvolvimento da pesquisa como a já mencionada transformação, fiz uso de momentos públicos para gerar material textual para essa publicação. Escolhi trabalhar com apresentações públicas e conversas transcritas a fim de manter o texto próximo da palavra falada, de forma a transmitir ao leitor momentos importantes de aprendizado. Com o episódio da cozinha informal somado à transcrição da fala de artista, foi importante reencenar aquela experiência em conversa com outras pessoas para alargar o entendimento dos eventos que levaram à cozinha informal, assim como suas consequências. A publicação então avança para o projeto editorial Samba Shiva: por meio de outra fala transcrita, ela rearticula algumas das lições colhidas da experiência com a cozinha informal para gerar um novo esquema institucional do Instituto Moreira Salles. Foi pessoalmente importante para mim, ao avançar nisso, me certificar de que a minha prática abordasse a nova instituição de forma não-antagonística — se possível, sem perder seu gume crítico durante o processo.

O que eu de fato tirei desse episódio da cozinha informal para o projeto editorial Samba Shiva foi um melhor entendimento do espaço e do papel atribuído aos artistas pelas instituições, bem como das expectativas por elas colocadas sobre os artistas. Do espaço/papel ao qual o capricho de um artista individual é incorporado, contanto que as expectativas de resultado artístico vindo do artista sejam alcançadas e/ou tornadas apresentáveis. Uma das maneiras de abordar isso, então, era ocupar esse espaço/papel mas, em vez de buscar crescimento e sucesso dentro dele, aprender a frustrar as expectativas das instituições e a lidar eu mesmo com as consequências negativas dessa frustração. De modo contra-intuitivo, esse processo de desafiar os protocolos institucionais abriu uma via para o experimento e o teste com as fronteiras invisíveis daquele dito espaço/papel dentro da instituição. Em Maastricht, tratou-se de desafiar a nova ordem institucional definida por forças econômicas neoliberais maiores, que se manifestaram sob a forma do ateliê recém-reformado. Isso eu fiz não usando o ateliê para produzir arte e recusando a sugestão da instituição de apresentar a cozinha informal como trabalho artístico segundo os critérios do programa público de ateliês abertos dela. Com Samba Shiva, não se tratava tanto de frustrar a instituição, já que o diálogo com a instituição abriu o espaço para o diálogo. Gosto de pensar que essa colaboração conseguiu desafiar,até certo ponto, os mecanismos de legitimação que os critérios institucionais são normalmente projetados para reforçar. Conseguiu-se isso, em parte, repensando-se a autoria, evitando-se a completa apropriação do que é feito fora do campo da arte profissional, e dando-se o devido crédito aos vários colaboradores envolvidos. Como resultado, reatribuiu-se a visibilidade potencial conferida por um prestigiado mecanismo de fomento da arte, bem como algumas crenças acerca da relação entre a autoria e o artista. Querer e poder jogar com certas preconcepções sobre o que ser um artista acarreta e sobre o que constitui uma prática artística foi um passo necessário para ganhar alguma vantagem ao negociar com instituições — foi o teste do já mencionado potencial plástico da instituição. Por outro lado, experimentar com aspectos desta pesquisa no projeto editorial Samba Shiva me fez perceber as consequências do que a pesquisa se propunha em relação à equipe e aos empregados da instituição, já sobrecarregados com o trabalho adicional de rever e talvez alterar procedimentos institucionais já estabelecidos. Naquele momento, a partir da posição em que eu entrei na instituição, fui forçado a refletir sobre as ramificações da minha intervenção nos protocolos institucionais, e usei essa reflexão na minha própria ação como artista-pesquisador desenvolvendo um PhD em Artes.

Estar empregado em meio período na Royal Academy of Fine Arts Antwerp foi bastante importante no desenvolvimento da pesquisa, já que, por isso, eu podia me enraizar numa instituição antes de seguir com outra instituição, a pesquisa. O período de quatro anos forneceu a estabilidade econômica que, por sua vez, me forneceu o tempo, a perspectiva e os recursos para me dedicar à pesquisa e assumir riscos com ela. Posteriormente, já mais consciente e confortável no interior de
um contexto educacional, comecei a me envolver em diferentes atividades relacionadas ao ensino, à tutoria e a outras atividades; comecei também a observar a liberdade que me era dada, como artista-pesquisador, para iniciar debates acerca de política, raça, classe e gênero, temas que, na minha opinião, a instituição não abordava com a urgência devida. Um desses casos foi a organização do seminário de pesquisa Mudanças de Descrição, A Descrição do Trabalho do Artista, que vem em seguida à primeira parte desta publicação. Com o seminário, eu pretendia juntar meus pares para pensarmos e trabalharmos juntos rumo a estratégias de negociação de outras maneiras de se adentrar e de se estar nas instituições de arte. Mais importante, talvez, tenha sido ser lembrado por seus pares de que estar inserido em uma instituição não necessariamente resulta em atitudes que reafirmam a instituição; em alguns casos, isso pode tomar a forma de um protesto.

[…] Para concluir este posfácio, gostaria de considerar novamente o que significava ter passado por aquelas instituições ao longo dos anos, se não em termos de retornos palpáveis, então talvez como entendimento do papel dos artistas dentro das instituições de arte, que é, por um lado, crítico e, por outro, fértil. Um entendimento sensível ao conhecimento potencial do artista no que diz respeito ao modo como as coisas são feitas dentro das instituições de arte. Ligado a esse entendimento, está a consciência de que as condições de trabalho para os artistas, via de regra, são função do modo como as instituições respondem à pressão de cortes iminentes de gastos e coisas do tipo. Tendo dito isso, como nós artistas podemos exigir certo grau de autonomia dentro de e em relação a estas instituições, grau esse necessário para darmos continuidade a nossas práticas, ganharmos a vida e contribuirmos para a construção de uma responsabilidade comunal de preservação da diversidade das práticas artísticas, pelo bem do funcionamento saudável do campo da arte?

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