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Ana Clara Tito

Labirintos vivos

texto Ariana Nuala

Rio de Janeiro | 25 Maio — 8 Julho 2023

Labirintos Vivos, 2023
Labirintos Vivos, 2023
Labirintos Vivos, 2023
Labirintos Vivos, 2023
Labirintos Vivos, 2023
Sem título, 2023
Labirintos Vivos, 2023
Info +
1/12
Sem título, 2023

Sem título, 2023

argamassa, argila expandida, rede plástica, arame, transferência fotográfica
40 × 40 × 3 cm

Sem título, 2023

Sem título, 2023

argamassa, argila expandida, vergalhão, rede plástica, arame, transferência fotográfica
48 × 40 × 4 cm

Sem título, 2023

Sem título, 2023

argamassa, argila expandida, vergalhão,
fragmento de construção, arame, rede
plástica, transferência fotográfica
46 × 47 × 7 cm

Sem título, 2023

Sem título, 2023

argamassa, argila expandida, vergalhão, rede plástica, transferência fotográfica
25 × 15 × 5 cm

Texto Ariana Nuala

Há uma inquietude na maneira a qual Ana Clara Tito se relaciona com a imagem fotográfica. É possível vermos borrões de paisagens, fragmentos de distintos corpos, entre outras camadas que anunciam uma aparição prestes a desaparecer, correr ou até mesmo fugir e ir de encontro a outras habitações, sejam íntimas ou públicas.

Tito tem um interesse em montar fotografias que denunciam os artifícios do ato de fotografar, recriando uma faceta múltipla ao enxergar as imagens: é concebível imaginar e percorrer diferentes espaços/tempos no mesmo momento ao invés de se fixar em um ponto.

A insuficiência na fotografia em revelar a totalidade da atmosfera a ser capturada, parece ser mote excitante para Tito, onde sua pesquisa se coloca na complexidade da tradução do diálogo entre presenças espectrais e corpóreas. Tito não reduz seu acervo fotográfico a exposições iconográficas, mas cria um jogo a partir da ilusão de um estado fixo, ou seja, quando utiliza o cimento como matéria principal de impressão de suas fotografias, reconstrói um estado sólido para memórias, mas passíveis de infiltrações, permeabilidade, quebras e torções e que na composição da obra se encontram com outros elementos como ferro, plástico e tecido.

Neste sentido, as foto-esculturas, como são chamadas por Tito, são obras que dinamizam a relação entre a fotografia e o espaço, acentuando aqui o fazer escultórico atrelado à desobediência de permanecer em movimentos de transformação. Portanto, um labirinto vivo, seria aquele que se move no entrelaçamento dos caminhos, entre emaranhados que muitas vezes não distinguem a vida em dicotomias.

Em mim, houve inicialmente uma incerteza, se o trabalho de Tito se traduziria na fotografia ou na escultura, até reconhecer que, na verdade, ele se discorre em ambos simultaneamente, e também os extrapolam. Ao chegar perto de cada foto-escultura, é possível ver fragmentos de cenas fotografadas, vi: retalhos de colchão, pisos de banheiros ou quartos, janelas, prédios, etc., esses ambientes que percorrem a obra de forma entrecruzada, não estão para serem vistos com clareza, e sim são condensados à uma forma indefinida. O cimento, aglomerado que religa esses lugares, funciona assim, quase como uma areia movediça ao puxar para o fundo corpos com menores densidades, criando dificuldade entre os limites do corpo engolido e o corpo que engole, aquele que abraça e o que escapa.

Um labirinto vivo, aqui, diferente de jardins luxuosos – muitas vezes podados e pomposos, onde ainda é possível encontrarmos um meio, um fim ou um início – é um espaço que reconhece sua superfície terrena, esta camada que envolve diferentes seres em distintas situações, que se transforma ao ser atravessado. São terrenos instáveis que desafiam o movimento, fazendo com que quem o atravesse saiba conduzir seus estados. Por exemplo, na areia movediça é necessário ficar parado para que o corpo possa flutuar frente à proporção de peso que é causada com o encontro desse tipo de solo. Então, quais são os exercícios de desestabilidade e também de remodelação, para penetrar estes lugares?

Acredito que o trabalho de Tito evoca essas imagens ao combinar elementos encontrados em escombros de construções, como metais oxidados, vidros e pedaços de barro, juntamente com sua coleção de objetos pessoais. Cada elemento então ensaia sua dança frente à contaminação entre um e outro, sua rugosidade diante da massa cinzenta que liga seus corpos, criando espaços também para a performatividade, seja em suas pausas ou continuidades.

Nesta exposição, as foto-esculturas estão relacionadas aos tampos de vidro canelado que foram coletados por Tito durante andanças nas ruas da cidade de São Paulo. O vidro denota em sua aparência translúcida uma delicadeza que contrasta com as obras. Estas, em sua vida labiríntica, refutam a nitidez, não permitindo ver o que está por trás, mas sim imaginar o percurso e as camadas não visíveis que esses corpos carregam em todos os tempos.

A forma indefinida de um labirinto vivo marca a compreensão de seus trânsitos, as relações entre corpos e gestos, incluindo atalhos, fugas, desistências e recomeços. Assim, ao também andar pelo labirinto – seja na cidade em que nasceu, o município de Bom Jardim, no lugar onde estudou, a capital do Rio de Janeiro, ou em lugares que transita, como São Paulo – Tito investiga a simultaneidade do seu corpo, sendo ele um corpo diaspórico, transgredindo limites e ensinando-o a mover-se, assim como fazem as fotoesculturas.

Para mim, o labirinto de Tito começa em suas caminhadas para a coleta. Sabemos que há algo que nos impulsiona a nos relacionarmos e, sem antes muitas vezes percebermos o que é, fazemos e nos modificamos naquele contato. Para agirmos a partir de um desejo desconhecido que se desdobra entre vários, tocamos, sentimos e posteriormente entendemos ou não. Mas existe algo que nos impacta e nos fala intimamente sobre o imediato, assim neste instante algo é capturado.  A captura, porém, se faz ilusão, como uma poeira fina, que dificilmente é retida com as mãos.

Diante da impossibilidade de uma existência sem porosidade, Tito encontra-se com as palavras de Byung-Chul Han, que nos recorda a presença de um pássaro negro que o atravessa, deixando-o em meio à paisagem. Neste fluxo, Tito, nos conduz a uma saída de um uso contínuo de uma imagem em completa nitidez, permitindo-nos adentrar na complexidade que se refere aos mundos.

Brincar com essa dimensão seria extrapolar os limites, contagiar-se, afinal quando o labirinto é vivo, ele não se funde com o que atravessa?

 

 

1 Louvor à Terra : uma viagem ao jardim / Byung-Chul Han; com ilustrações de Isabella Gresser; tradução de Lucas Machado. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2021.p. 127

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