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Poli Pieratti

O bicho vem com a marca do nome

Rio de Janeiro | November 07 — December 23, 2024

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Info +
1/9

antes do bicho, 2024

oil on canvas
270 x 180 cm

a primeira quina do mundo I, 2024

dry pastel, watercolor, and liquid acrylic on cotton
180 × 24 cm

a primeira quina do mundo II, 2024

dry pastel, watercolor, and liquid acrylic on cotton
180 × 24 cm

tudo que existe, 2024

dry pastel, watercolor, and liquid acrylic on cotton
300 × 100 cm

poli poliptico4

dry pastel, watercolor, and liquid acrylic on cotton
150 x 50 cm

poli poliptico3

dry pastel, watercolor, and liquid acrylic on cotton
150 x 50 cm

dry pastel, watercolor, and liquid acrylic on cotton
150 x 50 cm

poli poliptico

dry pastel, watercolor, and liquid acrylic on cotton
150 x 50 cm

ruído de dentro, 2024

dry pastel, watercolor, and liquid acrylic on cotton
210 × 70 cm

ruído de fora, 2024

dry pastel, watercolor, and liquid acrylic on cotton
210 × 70 cm

Aos seis, sete anos, eu vi um cavalo, um cavalo de corrida. Senti
então que não há ninguém mais nu do que certos cavalos.
Geni, Toda Nudez Será Castigada

Aos seis, sete anos, Poliana conheceu um cavalo batizado “Meia Lua”,
que trazia a própria meia lua desenhada na testa.
Descobriu que era assim porque ouviu alguém chamando e o animal respondeu.
Essa cena ela conta batendo os pés no chão, fazendo som de casco.

A partir daí, começou a saber que o bicho vem com a marca do nome. A artista brasiliense sempre esteve com os olhos abertos às estruturas que davam forma ao seu entorno. Nascer e crescer em uma cidade artificial, escrupulosamente planejada, convoca atenção ao chão. Uma cidade que, enquanto mito de origem, nega o próprio território. Em citação livre à artista pesquisadora Ana Vaz, “(…) O problema da utopia é o “U” antes do “Topia”. É o “U” que nega o topos. De uma forma muito concreta, podemos pensar no número de árvores endêmicas do cerrado que foram removidas em caminhões, transformando o topos em um “u-topos”, negando a topografia local.”

Poliana faz o gesto oposto. Algo como um site-specific genealógico, arquivístico, onde o resgate do espaço expositivo convoca a narrativa. É a escuta atenta das paredes. O desejo de endereçar a história, as dimensões, as palavras e etimologias do espaço que a convida para entrar. Em sua última exposição, A Terra do Mar, foi o prédio tombado de Ramos de Azevedo que trouxe as perguntas para a boca e o trabalho para as telas. Aqui, é o nome da galeria que convida os pincéis, e traz o ímpeto de desnudar a palavra até uma origem possível.

Como preencher a moldura que está dada? Como entrar no espaço pelo meio, fazer o corpo correr por dentro, encarnar a inscrição? Impregnar-se de si toma tempo e exercício. Como escreveu o frade e filósofo Guilherme de Occan, “O homem só muito lentamente aprende o seu nome.”

A imagem pioneira do cinema foi a de um jóquei em montaria. Foram necessárias 24 câmeras escuras no século dezenove para descobrir a mecânica da marcha do cavalo. The Horse in Motion, do fotógrafo Edward Muybridge, é uma tentativa exaustiva e bem sucedida de fotografar pela primeira vez um galope quadro a quadro, descobrindo que sim, por alguns instantes, todo cavalo que corre, voa. Por vezes, as coisas bonitas são verdade.

Já o cavalo com asas, que voa por tempo contínuo, nasceu de uma gota de sangue da cabeça cortada de Medusa. Essa gota, encontrando o mar, formou uma espuma branca. É dessa mesma espuma, ácida e furiosa, que surge Pégasus, aladíssimo. Um silêncio em voz alta.

É nesse instante do pulo, entre o céu e a água, que Poliana aposta.

O branco da onda explode no rodapé e toma conta das paredes. Os cavalos da artista também surgem da água, escorrendo no pastel seco, nascendo do conta-gotas. Artificialmente, escrupulosamente, pinga e esconde os animais nas paisagens de nuvens inundadas. Com as mãos, reveste de cor o que é indomável.

Em troca de cartas com Clarice Lispector, Fernando Sabino conta de um sonho que teve com a escritora. No sonho, Os dois conversam sobre o novo livro de Octávio de Faria, e ele diz que “Tudo tem um nome e mesmo a fera tem um nome que Octávio não sabe.” Insiste. “Tem um nome, Clarice, esta fera tem um nome. Eu sei o nome da fera!”. Clarice, no próprio sonho, responde “O importante não é o nome, o importante é tudo que existe.”

Penso se é o bicho que traz a marca do nome ou se é o nome que se inscreve a partir do bicho, se é a onda que cria o cavalo ou se é do cavalo que nasce a onda, se as telas são janelas para os animais livres ou se é o cavalo que faz da sala coisa viva onde se pode galopar.
O importante é que trote, nua e inegável, a palavra impossível que nos movimenta.

Em pacto com a imensidão,
azul e longa,
ter quatro patas é um compromisso com o horizonte.

 

Sofia Badim

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