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Pablo Pijnappel

Imagem-lembrança

Rio de Janeiro | 01 Setembro — 29 Outubro 2016

Vista da exposição 'Imagem Lembrança', 2016
Do Pó às Cinzas, 2016
Vista da exposição 'Imagem Lembrança', 2016
The Highlands, 2016
Vista da exposição 'Imagem Lembrança', 2016
Vista da exposição 'Imagem Lembrança', 2016
Cinemaresia, 2016
Vista da exposição 'Imagem Lembrança', 2016
Vista da exposição 'Imagem Lembrança', 2016
Imagens-lembranças, 2016
Vista da exposição 'Imagem Lembrança', 2016
O Fantasma do Cine Condor, 2016
O Fantasma do Cine Condor, 2016 (detalhe)
Os Cinemas de Copacabana, 2016
Info +
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Pablo Pijnappel

Do Pó às Cinzas, 2016

acessórios para performance homônima:
jogo da memória personalizado de 46 peças, ampulheta, tocador de MP3 com registro sonoro da performance, mesa, cadeiras
medidas variáveis

Pablo Pijnappel

série Funeral Russo, 2016

cromo p&b ampliado em papel fotográfico
40 × 60 cm

Pablo Pijnappel

série Funeral Russo, 2016

cromo p&b ampliado em papel fotográfico
40 × 60 cm

Pablo Pijnappel

série Funeral Russo, 2016

cromo p&b ampliado em papel fotográfico
40 × 60 cm

Pablo Pijnappel

série Funeral Russo, 2016

cromo p&b ampliado em papel fotográfico
40 × 60 cm

Pablo Pijnappel

série Funeral Russo, 2016

cromo p&b ampliado em papel fotográfico
40 × 60 cm

Pablo Pijnappel

série Funeral Russo, 2016

cromo p&b ampliado em papel fotográfico
40 × 60 cm

Pablo Pijnappel

The Highlands, 2016

projetor de slides, 36 chapas de negativo em cor
10 × 15 cm

Pablo Pijnappel

Da Admiração à Timidez, 2016

performance filmada com participação do artista Oliver Bulas a partir de manual de expressões faciais para atores
filme em 16 mm transferido para vídeo PAL, monitor PAL

Pablo Pijnappel

Cinemaresia, 2016

quebra-cabeças de 1000 peças, espelho e mesa
(manipulável)
99 × 67 × 73 cm

Pablo Pijnappel

Imagens-lembranças, 2016

tinta sobre folha de papel 180g em formato A4
medidas variáveis

Pablo Pijnappel

O Todo (Aberto), 2016

tocador de MP3 com gravação de som
medidas variáveis

Pablo Pijnappel

O Fantasma do Cine Condor, 2016

vitrine de cinema desativada e placa
115 × 246 × 36 cm

Pablo Pijnapple

Os Cinemas de Copacabana, 2016

caixa com 23 fotos documentando o espaço atual de cinemas tradicionais do bairro carioca
(manipulável)
20 × 25 cm

Pablo Pijnappel

…e a lembrança dos grandes espelhos na sala de espera, espelhos que funcionavam já como quasecinema: ver-se ali era como se ver num filme; ver-se ali era um convite para entrar sem mais espera na realidade das imagens e viver experiência parecida com aquela menina Alice: deixar-se cair no país das maravilhas, passearno país dos espelhos.

(José Carlos Avellar em Palácios e Poeira: 100 Anos de Cinema no Rio de Janeiro de Alice Gonzaga; Record Funarte, 1996)

 

Imaginem ser bem cedo de manhã na orla de Copacabana num domingo. Durante sua corrida matinal na praia, com apenas um sol bem amarelo como testemunha, um morador vê uma garrafa arrolhada, daquelas jogadas por um náufrago, rolando na areia, sendo empurrada pela espuma do mar, com alguma coisa brilhando dentro. O sujeito para, pega a garrafa e retira a rolha. Ao olhar com o olho direito pelo gargalo, é presenteado com seu próprio olho olhando de volta para ele, lá do fundo. Ele deixa a garrafa cair e continua sua corrida, ou sai correndo. Há dúvidas quanto a esta parte.

Por muito tempo, as únicas superfícies especulares que conhecíamos eram as fontes de água parada, como poças, poços d’água e lagos — como sabemos da lenda de Narciso — os chamados espelhos d’água. Embora na Grécia antiga já houvesse espelhos primitivos feitos com superfícies polidas de ferro ou bronze (a Medusa que o diga), foram necessários uns mil anos de progresso na química, para que se conseguisse um espelho límpido e cristalino como a água (permitindo também acabar com as fontes de água parada e consequentemente estancar as epidemias trazidas pelos pernilongos Aedes Aegypti que vinham logo ali do sul). Apenas quando conseguimos descobrir como adicionar prata ao vidro, com a ajuda do mercúrio, se tornou fácil criar os espelhos de hoje em dia, verdadeiros cristais especulares. Algo que se conseguiu fabricar em massa somente em 1839, na mesma época em que se criaram as primeiras chapas fotográficas negativas em vidro, utilizando-se a sensibilidade dos grãos de prata à luz — uma evolução do custoso daguerreotipo, o primeiro sistema de fotografia comercial, que era caro e só produzia uma única imagem positiva em metal — cristalizando, portanto, em vidro a imagem da luz emitida por objetos que entravam
nas câmaras-obscuras.

Assim como o espelho, a fotografia é a princípio uma cópia simétrica de uma imagem. No entanto, enquanto a imagem virtual especular é um duplo completamente congruente, como o reverso de uma folha de manuscrito, o que acontece com a fotografia é de certa maneira algo que se sucede quando vemos uma imagem refletida por dois espelhos, ou seja, o reflexo do reflexo. A primeira diferença é que a foto nunca é realmente “reflexiva” como a de um espelho, ela tem sempre o ponto de vista em terceira pessoa, mesmo quando se trata de um autorretrato. Um espelho reflete a luz  de um objeto diretamente aos olhos, sem intermediário; ou seja, o meu reflexo no espelho é sempre “eu”, primeira pessoa, o da fotografia é sempre “um homem”, embora reconheça a foto como sendo “minha”. Em segundo lugar, como no conto de Oscar Wilde “O Pescador e a sua Alma” — onde a sombra se livra de seu mestre, sai fazendo todos os tipos de sacanagem, até finalmente ser costurada pelo dono em seus pés de novo numa noite de lua cheia — a imagem perde a congruência total se emancipando; ela não é mais um duplo, ela se torna uma reprodução.

Mantendo-se puramente virtual sem uma ligação viva (ou “ao vivo”) com o objeto, a imagem agora aproxima-se de ser um ícone, um signo, but not quite (como sabemos por Barthes, o buraco é mais embaixo), pois a fotografia é uma mensagem denotada, um signo sem alma.

Os índios parecem sempre ter intuído isto, já que embora aceitassem os espelhos que os portugueses lhes  resenteavam, foram reticentes, mais tarde, quando antropólogos quiseram tirar suas fotos. Neste sentido de capturar  espírito, mas de um jeito Bergsoniano, pode-se dizer que a fotografia se assemelha mais à própria memória, pois junto com a imagem especular cristaliza-se o tempo, ou melhor, o evento; embora, por outro lado, a fotografia sempre desconcerte as lembranças com sua fidelidade objetiva. Mas é o próprio Freud uma vez quem escreveu que a memória é como uma imagem refletida por diversos espelhos em nosso aparelho psíquico, até alojar-se nos confins do inconsciente, como a luz trazida pela lente de um telescópio.
Esta analogia me agrada particularmente, pois é justamente na congruência simétrica horizontal que as minhas memórias mais me passam a perna.

Por exemplo: Uma vez retornei para minha cidade natal depois de muitos anos. Ao caminhar para o prédio onde morei quando criancinha, embora as janelas do apartamento no primeiro andar me dessem um senso de familiaridade suficiente para acreditar ingenuamente na nitidez das minhas memórias, elas se encontravam no lado errado da Rue Tombe-Issoire. (Aliás, não sei se tem a ver, mas sempre ao olhar um mapa a mesma inversão acontece. Nesta mesma vez em Paris me perdi por um bom tempo, pois troquei a esquerda pela direita e terminei nos muros de um  cemitério. Havia justo ido para revisitar onde vivi meus primeiros anos e terminei onde um dia, hipoteticamente, poderia acabar enterrado, se não houvesse abandonado aquela cidade.)

É curioso saber por Eco que nossa concepção de imagem especular está ligada a uma inversão simétrica horizontal, simplesmente porque o espelho plano vertical é o que comumente usamos, enquanto os “libertinos” (em suas palavras), que tem espelhos nos tetos de seus quartos acima de suas camas, sabem muito bem que “espelhar” também pode significar inversão simétrica vertical, ou seja, confundir baixo com alto, além de apenas direita com a esquerda. (Ainda bem que sou conservador.)

Outra vez retornei ao Rio, onde cresci e vivi até a maioridade, após um longo intervalo. Não apenas as cores das montanhas e da vegetação tropical me pareceram ter uma intensidade muito mais elevada que o normal, mas a proporção dos espaços e objetos me parecia indignamente errada. Ao entrar no antigo apartamento de minha vó em Copacabana, onde morei os últimos anos antes de partir, descansei as malas no chão com a sensação incômoda de que haviam pendurado novos quadros em suas paredes que agora eram de um bege quente, quando antes eram de um branco quase azul. E o meu quarto, onde havia vivido uma adolescência assombrada, se encontrava forrado por um carpete fofo demais. Em cima da penteadeira encontrei um espelho; tentei não olhar, mas não resisti…

Aturdido, com a sensação de quatro anos terem se passado desde que havia entrado no táxi do aeroporto, comprei novos chinelos e fui para a praia. Lá fui redimido ao constatar que as ondas ainda pareciam ser as mesmas. Pensei mesmo que havia reconhecido uma ou outra que quebraram com uma desenvoltura particularmente espumante.

Sentado olhando para o horizonte onde boiava um cargueiro alemão, lembrei que minha vó nonagenária havia me contado uma vez sobre o cinema Rian, que como muitos nas décadas de 40 e 50, foram erguidos em frente à praia ao lado de hotéis e cassinos luxuosos. Os primeiros recintos públicos com ar condicionado, as matinés eram o esconderijo nos dias de verão dos gordinhos e dos pálidos, ou dos viajantes duros que só tinham recursos para comprar um bilhete para um filme estrelando Martine Carol, mas não para um navio — muito menos para um avião — indo à Paris. Este cinema em particular continha em seu lobby espelhos enormes de cristal que refletiam a praia, que naquela época ainda não havia sido aterrada, e cujo quebra-mar ficava a apenas algumas dezenas de metros de sua calçada. De modo que entrar na sala de projeção, era análogo a submergir debaixo das ondas e ser levado pela maré.

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